quarta-feira, 28 de janeiro de 2015



Pá, Pá, Pá (Pois sim, e Pois não)

A americana estava há pouco tempo no Brasil. Queria aprender o português depressa, por isto prestava muita atenção em tudo que os outros diziam. Era daquelas americanas que prestam muita atenção.
Achava curioso, por exemplo, o “pois é”. Volta e meia, quando falava com brasileiros, ouvia o “pois é”. Era uma maneira tipicamente brasileira de não ficar quieto e ao mesmo tempo não dizer nada. Quando não sabia o que dizer, ou sabia mas tinha preguiça, o brasileiro dizia “pois é”. Ela não aguentava mais o “pois é”.
Também tinha dificuldade com o “pois sim” e o “pois não”. Uma vez quis saber se podia me perguntar uma coisa.
- Pois não – disse eu, polidamente.
- É exatamente isso! O que quer dizer “pois não”?
- Bom. Você me perguntou se podia fazer uma pergunta. Eu disse “pois não”. Quer dizer, “pode, esteja à vontade, estou ouvindo, estou às suas ordens…”
- Em outras palavras, quer dizer “sim”.
- É.
- Então por que não se diz “pois sim”?
- Porque “pois sim” quer dizer “não”.
- O quê?!
- Se você disser alguma coisa que não é verdade, com a qual eu não concordo, ou acho difícil de acreditar, eu digo “pois sim”.
- Que significa “pois não”?
- Sim. Isto é, não. Porque “pois não” significa “sim”.
- Por quê?
- Porque o “pois”, no caso, dá o sentido contrário, entende? Quando se diz “pois não”, está-se dizendo que seria impossível, no caso, dizer “não”. Seria inconcebível dizer “não”. Eu dizer não? Aqui, ó.
- Onde?
- Nada. Esquece. Já “pois sim” quer dizer “ora, sim!”. “Ora se aceitar isso.” “Ora, não me faça rir. Rá, rá,rá.”
- “Pois” quer dizer “ora”?
- Ahn… Mais ou menos.
- Que língua!
Eu quase disse: “E vocês, que escrevem ‘tough’ e dizem ‘tâf’?”, mas me contive. Afinal, as intenções dela eram boas. Queria aprender. Ela insistiu:
- Seria mais fácil não dizer o “pois”.
Eu já estava com preguiça.
- Pois é.
- Não me diz “pois é”!
Mas o que ela não entendia mesmo era o “pá, pá, pá”.
- Qual o significado exato de “pá, pá, pá”.
- Como é?
- “Pá, pá, pá”.
- “Pá” é pá. “Shovel”. Aquele negócio que a gente pega assim e…
- “Pá” eu sei o que é. Mas “pá” três vezes?
- Onde foi que você ouviu isso?
- É a coisa que eu mais ouço. Quando brasileiro começa a contar história, sempre entra o “pá, pá, pá”.
Como que para ilustrar nossa conversa, chegou-se a nós, providencialmente, outro brasileiro. E um brasileiro com história:
- Eu estava ali agora mesmo, tomando um cafezinho, quando chega o Túlio. Conversa vai, conversa vem e coisa e tal e pá, pá, pá… Eu e a americana nos entreolhamos.
- Funciona como reticências – sugeri eu. – Significa, na verdade, três pontinhos. “Ponto, ponto, ponto.”
- Mas por que “pá” e não “pó”? Ou “pi” ou “pu”? Ou “etcétera”?
Me controlei para não dizer – “E o problema dos negros nos Estados Unidos?”.
Ela continuou:
- E por que tem que ser três vezes?
- Por causa do ritmo. “Pá, pá, pá.” Só “pá, pá” não dá.
- E por que “pá”?
- Porque sei lá – disse, didaticamente.
O outro continuava sua história. História de brasileiro não se interrompe facilmente.
- E aí o Túlio com uma lengalenga que vou te contar. Porque pá, pá, pá…
- É uma expressão utilitária – intervim. – Substitui várias palavras (no caso toda a estranha história do Túlio, que levaria muito tempo para contar) por apenas três. É um símbolo de garrulice vazia, que não merece ser reproduzida. São palavras que…
- Mas não são palavras. São só barulhos. “Pá, pá, pá.”
- Pois é – disse eu.
Ela foi embora, com a cabeça alta. Obviamente desistira dos brasileiros. Eu fui para o outro lado. Deixamos o amigo do Túlio papeando sozinho.
Autor: Luís Fernando Verissimo




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