sexta-feira, 29 de junho de 2012

INTERTEXTUALIDADE

Um dos aspectos mais espetaculares da Língua Portuguesa é a condição de, a partir de um texto original produzirem-se outros textos, usando outro vocabulário, mas preservando certas características da matriz. Esse fenômeno lingüístico é conhecido como INTERTEXTUALIDADE.
Um exemplo emblemático de intertextualidade é aquele que tem sua gênese no famoso poema Canção do Exílio, do poeta maranhense Antonio Gonçalves Dias. Eis o texto-matriz produzido no primeiro momento da poesia romântica brasileira, cuja releitura foi feita por outros autores e noutras gerações da literatura verde e amarela.

Canção do Exílio

 

Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Outra Canção do Exílio

Eduardo Alves da Costa

Minha terra tem Palmeiras,

Corinthians e outros times
de copas exuberantes
que ocultam muitos crimes.
As aves que aqui revoam
são corvos do nunca mais,
a povoar nossa noite
com duros olhos de açoite
que os anos esquecem jamais.

Em cismar sozinho, ao relento,

sob um céu poluído, sem estrelas,
nenhum prazer tenho eu cá;
porque me lembro do tempo
em que livre na campina
pulsava meu coração, voava,
como livre sabiá; ciscando
nas capoeiras, cantando
nos matagais, onde hoje a morte
tem mais flores, nossa vida
mais terrores, noturnos,
de mil suores fatais.

Minha terra tem primores,

requintes de boçalidade,
que fazem da mocidade
um delírio amordaçado:
acrobacia impossível
de saltimbanco esquizóide,
equilibrado no risível sonho
de grandeza que se esgarça e rompe,
roído pelo matreiro cupim da safadeza.

Minha terra tem encantos

de recantos naturais,
praias de areias monazíticas,
subsolos minerais
que se vão e não voltam mais
.

Acessado em: 22/6/2012


NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO

Carlos Drummond de Andrade

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.



Canto de Regresso à Pátria

 
 Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo


http://www.releituras.com/oandrade_canto.asp  21.07.200


 
E aí, viu como a intertextualidade promove um belo diálogo entre os textos?
E agora, que tal você criar uma nova Canção do Exílio, adaptada ao nosso tempo? Aceitas o desafio?
Se o fizer, compartilhe conosco.

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