terça-feira, 3 de fevereiro de 2015



A FESTA DA GRAMÁTICA

Um dia dona Gramática resolveu dar uma grande festa. Queria reunir todos os membros da Língua Portuguesa. Convite feito, convite aceito. No dia marcado foram chegando os componentes da Fonética, da Morfologia, da Semântica, da Sintaxe e da Estilística e já foram formando seus grupos. Todos vestidos a caráter. Dona Gramática estava feliz com o evento. Como é bom ver os filhos reunidos em concordância.
         O baile estava animadíssimo. O Ditongo dançava com a Divisão Silábica muito disputada pelo Tritongo e pelo Hiato. O Radical conversava com a Raiz enquanto observavam o animado jogo de palavras entre o Sinônimo e o Antônimo. A Conjunção, que havia bebido um pouco, não sabia se era coordenativa ou subordinativa, foi preciso a intervenção da Interjeição para acabar com a dúvida. O grupo das Vogais desafiava o das Consoantes.
            O Substantivo estava numa dura queda de braço com Adjetivo, tudo num clima de amizade. O Artigo Masculino namorava, lá no cantinho escuro, com o Artigo Feminino que determina a palavra Felicidade para que ela seja eterna. A Derivação batia um papo com a Composição. Falavam das suas formações. A Derivação se acha importante porque é formada por sufixação, prefixação, parassíntese e derivação regressiva. A Composição também tem seu orgulho ora ela é justaposta, ora é aglutinada. A Oração Sem Sujeito fofocava com Oração Reduzida, o Objeto Direto deu uma rasteira no Agente da Passiva e saiu com a Regência Nominal em clima de Prosódia e Ortoépia. A Onomatopéia rodopiava pelo salão. O Eufemismo tentava suavizar as palavras para dizer à Hipérbole o quanto ela dança mal. O Pleonasmo dizia à Antítese que só acreditava naquela festa porque estava vendo com “seus próprios olhos”. A Reticência dava uma de cantora, mas era tão desafinada que o Cacófato veio correndo para calar “a boca dela”.
             Lá pelas tantas, a Gramática ouviu um rumor parecido com uma discussão. Correu para o canto de onde vinha o alarido e chegou a tempo de ver e ouvir o Verbo gritando:
           - Eu vou falar, eu quero falar.
          A Gramática interferiu.
          - Meu filho qual é o problema?
           Nesse momento já havia parado a música e todos estavam aglomerados em torno da Gramática e do Verbo.
          - Desde que eu cheguei nesta festa que ouço vocês contando vantagem. Um é isso, outro é aquilo. Porque um é melhor e o outro pior. Droga! Nós somos uma família. Pertencemos ao mesmo idioma, sendo assim um não pode ser melhor que o outro. Nenhum brilha mais que o outro.
            Foi nesse momento que o Verbo Auxiliar aplaudiu:
          - Bravo companheiro. É isso aí. Onde já se viu uma coisa dessas. Já pensou se cada elemento de um idioma começasse a dizer que é o tal? Seria uma Babel.
Todos ficaram calados. E o Verbo, muito nervoso, continuou a falar com sua potente voz:
             - Senhores, nós somos um exército composto por soldados talhados na forma de palavras. Lutamos numa guerra eterna para não perder a nossa identidade, para não deixar o invasor nos assimilar e implantar o seu idioma. Apesar da nossa vigilância vem a infame influência e planta uma palavrinha aqui, outra ali e quando abrirmos os olhos já não haverá um idioma, somente um dialeto. É preciso ensinar as crianças, desde cedo, a amar a língua. Como fazer? Ensinando-as a falar e escrever corretamente.
            - Vejam os erros de concordância nas redações, isso é só uma parte, sem contar a incompreensão de textos e outras coisas mais. Tudo isso por conta do mau ensino. E vocês ficam aí discutindo bagatelas.
           O verbo sentou e chorou. Dona Gramática, pensativa, admitia o erro no ensino da língua.
             A festa que começara animada voltou aos “tempos primitivos” e foi preciso um “Imperativo” na tentativa de restaurar a alegria. A orquestra de letrinhas, que parara de tocar, começou a recolher os instrumentos que estavam no chão. E para que não houvesse mais confusão o Sujeito subiu numa cadeira e gritou.
          - Aí pessoal, vamos agitar porque essa festa não está mais “manera”, parece um cemitério, pô. Os “manos” vieram aqui dançar e levar um “lero” legal.
            - Vejam que falei gírias, também uso a forma culta, isso foi só para mostrar como é belo esse idioma que tem palavras para designar qualquer coisa. Procurem por aí a palavra saudade, ninguém tem, só nós.  Tem mais pessoal, na festa da dona Gramática não há lugar para se discutir problema de ensino, aqui é o lugar da união de todos para formarmos um só corpo. Discutir ensino de gramática, isso é lá com “seu” Ministro.
           Todos concordaram e o Sujeito saiu balançando o esqueleto pelo salão à procura de uma Flexão Adjetiva para um giro numa folha de caderno.
Maria Hilda de Jesus Alão


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