Governo
adia início do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa
Decreto assinado por Dilma
Rousseff foi publicado no 'Diário Oficial'.
Novo prazo para entrada em vigor do acordo é 1º de janeiro de 2016.
A
obrigatoriedade do uso do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, assinado em
2008 e previsto para entrar em vigor no próximo dia 31, foi adiada por mais
três anos. O novo prazo para entrada em vigor do acordo é 1º de janeiro de
2016. A presidente Dilma Rousseff assinou um decreto redigido
pelo Ministério de Relações Exteriores e publicado na edição desta
sexta-feira (28) do "Diário Oficial da União".
O
novo prazo foi definido durante reunião de um grupo interministerial composto,
além de membros do MRE, por técnicos do Ministério da
Educação e da Casa Civil.
De
acordo com a assessoria de imprensa da Casa Civil, a ministra-chefe Gleisi
Hoffmann recebeu em novembro um grupo de senadores que defenderam o adiamento
do prazo, e convocou uma reunião com os ministérios envolvidos no tema. Uma
reunião com representantes dos ministérios das Relações Exteriores, Cultura e
da Casa Civil, definiu que o acordo vai começar a valer daqui a três anos. A nova
data escolhida pelo grupo, que reúne técnicos e subchefes dos três ministérios
tem como objetivo ajustar o prazo brasileiro com o de Portugal, que tem mais
três anos até que o acordo seja totalmente aplicado no país. Até 31 de dezembro
de 2015, coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma
estabelecida.
Segundo
o Ministério da Educação, o Brasil é o que mais avançou na implantação do
acordo entre os oito países que assinaram o documento. Mesmo já tendo feito
"a lição de casa", o secretário de Educação Básica, César Callegari,
explicou ao G1
que o MEC é favorável a alinhar o cronograma brasileiro "com o cronograma
de outros países, entre eles Portugal".
Callegari
afirmou que, pouco depois da ratificação do acordo pelo Brasil, o ministério,
que é o maior provedor de livros didáticos do país, começou a incluir, em seus
editais de compra de livros e dicionários para escolas, a exigência de que os
materiais já estejam adaptados às novas regras da ortografia. Porém, para ele,
a preparação dos professores para ensinar as novas regras cabe às
universidades.
"Boa
parte da tarefa que cabe ao ministério está realizada. O trabalho de formação
de professores e atualização cabe fundamentalmente ao sistema de ensino, das
instituições públicas e privadas de educação superior. Mas as diretrizes estão
dadas, e os materiais já estão com as novas características dessa nova
ortografia", disse.
O
MRE afirmou, por meio de sua assessoria, que seus técnicos ficaram responsáveis
por minutar o decreto até o fim do mês, para que ele possa ser submetido à
Presidência da República. Mas, segundo o ministério, novo prazo será definido
pela própria presidente. A ideia, de acordo com o MRE, é prorrogar a entrada em
vigor do acordo para dar mais tempo de adaptação das pessoas à nova ortografia.
ENTENDA O ACORDO ORTOGRÁFICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
|
O que
é?
Um documento assinado em 1990 que tem o apoio da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) e tem como objetivo unificar as regras do português
escrito em todos os países que têm a língua portuguesa como idioma oficial.
|
O que
mudou desde 1990?
Apenas as regras de implantação, porém, as regras ortográficas continuam as
mesmas. Em 1990, quando foi assinado, a previsão era de que o acordo entraria
em vigor em 1994, mas dependia da ratificação de todos os países. Como isso
não aconteceu, a regra foi alterada em 2004 para que o documento entrasse em
vigor com a ratificação de três dos oitos países lusófonos. O Brasil foi o
primeiro a ratificar o protocolo que alterou a regra.
|
Quando
entra em vigor?
O governo de cada país deve ratificar o acordo assinado e definir seus prazos
para que ele entre em vigor internamente. Segundo a CPLP, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe já ratificaram o
acordo. Timor Leste, que em 1990 ainda não era uma nação independente, também
já aderiu. Angola é o único país-membro da CPLP que ainda não ratificou o
acordo.
|
Pedagogia
defasada
Mas a data de implantação do acordo não é a única preocupação de alguns
políticos e membros da sociedade civil. Senadores que integram a Comissão de
Educação, Cultura e Esporte acreditam que parte da dificuldade de adesão dos
brasileiros às novas regras é culpa da falta de debate em torno do tema.
De
acordo com a assessoria de imprensa do presidente da comissão, Roberto Requião
(PMDB-PR), o senador "vê com reservas" o conteúdo do acordo porque
ele foi articulado pelos governos, mas não ganhou espaço de discussão na sociedade.
Os senadores tinham o objetivo de elaborar um projeto de lei para adiar a
implantação do documento, mas, em conversas com os ministérios, decidiu-se que
a melhor abordagem seria por meio de um decreto.
Em
entrevista à Rádio ONU, a senadora Ana Amélia (PP-RS), que também integra a
comissão e, segundo sua assessoria, é autora do projeto, afirmou que a proposta
de adiar o prazo é um "gesto de solidariedade" e de "boa vontade
política".
Já a ideia de substituir o projeto de lei por um decreto presidencial serve
para "facilitar do ponto de vista legislativo. Um projeto de resolução
criaria alguns problemas de ordem legal em função de ser um acordo
internacional".
Um
dos maiores críticos do acordo no país quer aproveitar o possível adiamento
para mudar o conteúdo da nova ortografia. Segundo o professor Ernani Pimentel,
presidente da Editora Vestcom e do Movimento Acordar Melhor, é preciso
simplificar as novas regras e "ajustar problemas que não foram
percebidos" pelas pessoas responsáveis pela elaboração e assinatura do
documento.
Para
ele, como a implantação do acordo avançou menos nos demais países e tem
recebido críticas por lá, e como o Brasil deve adiar a entrada em vigor das
nossas regras por mais três anos, o momento é oportuno para corrigir as
principais questões.
O
mais sério dos problemas, segundo ele, é o fato de o acordo ter sido pensado na
década de 1970, quando o sistema educacional era muito diferente do atual.
"Naquela época a educação se baseada na didática da memorização, na
chamada 'decoreba'. Em história, o que se estudava história eram nomes e datas,
e em português eram só as regras e as exceções. Mas a pedagogia foi evoluindo,
e hoje o aluno está acostumado a racionar, ele quer pensar e entender, e não
ficar decorando, e essas regras são baseadas ainda na pedagogia antiga",
afirmou Pimentel ao G1.
Segundo
Callegari, do MEC, as propostas de simplificação não estão contempladas na
discussão do grupo interministerial. "O que poderia ser considerado e
sempre pode ser considerado são propostas que visam simplificar, mas não seria
adiar, seria outro acordo".
Muitas regras
O especialista explica que, com tantas regras no idioma atual, e a falta de
conhecimento a respeito das mudanças acordadas, é impossível falar português
fluentemente. Desde 2008, ele já colheu mais de 20 mil assinaturas de
brasileiros contra a implantação da nova ortografia.
Mais
da metade, segundo Pimentel, é formada por professores, muitos deles ainda sem
familiaridade com a nova ortografia e contrários à forma como o acordo foi
feito, sem o devido debate nas escolas, universidades e na sociedade em geral.
"Você
não pode fazer um acordo de ortografia sem ver o que os professores acham. Se
os professores não aprenderem [as novas regras], eles não podem ensinar",
afirmou o especialista. Ele afirma que os professores calculam gastar 400 horas
de aula ao ensino da ortografia no ciclo básico e, mesmo assim, os brasileiros
saem da escola sem dominar as regras. A simplificação, nesse caso, auxiliaria a
melhorar a qualidade da educação. "Essas regras são ilógicas, não
pode impor na sociedade."
Acessado
em: 09/01/2013.